O dia em que John mor
reu
Camilo Lucas
Eu tinha 17 anos e tinha acabado de comprar o single com Starting over/Kiss Kiss Kiss, primeiro fruto a ser divulgado do tão aguardado álbum de John Lennon após cinco anos de ostracismo voluntário. Pra mim, era mais aguardado do que a Segunda Vinda. Boatos diziam que John e Paul estavam se vendo. Isso para uma volta dos Beatles era um “pulinho”.
O novo LP, “Double Fantasy”, eu só tinha visto na imprensa, e a única coisa que sabia era que as faixas eram metade John, metade Yoko. Fazer o que... pra mim tava ótimo, afinal, John voltou!
De repente, eu estava sentado num consultório de dentista em Coronel Fabriciano, ao lado do meu amigo Marcelo “Baby”, lendo os jornais que falavam sobre a morte de John, acontecida na noite anterior, em Nova York. Foi ali que eu fiquei sabendo dos detalhes da tragédia, pois a notícia me havia sido dada ainda pela manhã em Caratinga, pelo meu amigo Chiquinho Beatle.
Eu e o Chiquinho éramos dois beatlemaníacos que passávamos a tarde toda na casa dele, com cadernos, pastas e revistas com letras das músicas dos Beatles e ex-beatles, cantando junto, tentando fazer as vocalizações, ele no violão e voz e eu só nos vocais, não que eu seja cantor (eu não sou) mas cantar por esporte qualquer um pode.
No dia 9 de dezembro, pela manhã, eu havia saído em direção à casa do Baby, pois tínhamos combinado de ir ao Vale do Aço fazer umas “compras”. Certas coisas demoravam pra chegar a Caratinga. Por exemplo, o single do John eu tinha comprado em BH, se não me engano uma semana antes. No caminho, encontro com o Chiquinho, e quando eu o avistei de longe, a primeira coisa que pensei foi em combinar um encontro pra fazer um som. Quando ele se aproximou eu vi que estava meio lívido. Antes de dizer “oi” ele me falou “o John morreu”. Como assim, “morreu”? Eu heim. Mas foi isso mesmo, eu tinha saído de casa sem ver TV e não tinha chegado perto de uma banca de jornais, ainda. Então, a notícia que já corria o mundo só chegou a mim naquele momento. Foi como se o tempo parasse. Parou tudo! Aliás, parou por um segundo porque depois começou a girar. Eu tive vertigem quando caí em mim e vi que era verdade.
Fui pra casa do Baby, fomos de ônibus pra Coronel Fabriciano e lá, sofremos uma tentativa de assalto, às 11 da manhã. Saímos correndo (antes empurramos o cara, ele estava com uma faca mas nós nos antecipamos) e corremos bastante, não sem ver o facínora sendo quase atropelado por um carro na tentativa de nos perseguir. Como ele ficou pra trás, nós entramos no primeiro prédio que vimos, entramos no elevador e apertamos o “11” (sei lá, pode ter sido o “8”). Era um prédio de escritórios e consultórios, e entramos num de dentista. Ficamos lá como se fôssemos clientes. Fazendo hora até o bandido sumir da área. E os jornais do dia estavam à disposição. Fiquei lendo tudo.
John havia sido morto por um lunático, desses made in USA. A motivação? Nula. Como nada do que aconteceu na vida de John foi comum, sua morte também não poderia ser. O cara pediu um autógrafo no disco (que eu nem tinha escutado ainda), depois se sentou no meio fio, ficou lendo O apanhador no campo de centeio para passar o tempo até a volta de John, quando pronunciou seu nome em vão antes de matá-lo com quatro tiros a queima-roupa (não contando o que ele errou).
Mark Chapmann entrou para a infâmia da história. Não só da arte, da música, mas da história da humanidade mesmo. Está preso até hoje – ainda bem que não foi no Brasil! - e talvez nunca mais saia de lá. Mas nada vai trazer John de volta.
Não preciso falar sobre o choque mundial que foi, sobre as pessoas cantando All you need is Love e Give peace a chance na porta do Dakota, ou de toda a comoção mundial, pois isso todo
mundo já leu e ouviu. Mas a minha comoção foi inédita – até então e desde então. Eu cresci ouvindo Beatles. Na verdade, eu nasci no mês em que From me to you estava nas paradas. Tenho lembranças dos Beatles em atividade, lembranças nítidas, lembro-me de quando eles acabaram, lembro-me dos meus tios ouvindo Revolver na radiola da sala (eu achava linda aquela capa desenhada, pois já sabia que um dia eu seria desenhista), o primeiro disco que eu comprei foi um compacto com Mind games/Meat city, do John, e quando juntei dinheiro para um LP, o primeiro que comprei foi o Sgt Peppers. Beatles é a trilha sonora da minha vida, e quando eu tinha 17, when I was just seventeen, acho que estava no auge desse sentimento. Foi quando John morreu.
Pra mim tinha morrido um tio querido, uma referência. Chorei de verdade. De repente, chegam às lojas não só o Double Fantasy, mas toda a discografia de John Lennon. Comprei o disco novo e também o Plastic Ono Band e o Imagine, que tenho até hoje. E fiquei ouvindo o dia inteiro durante meses.
E na primeira oportunidade, fui pra casa do meu amigo Chiquinho e ficamos cantando Beatles e John Lennon até a alma se aliviar e a percepção de que sua obra me acompanharia a vida inteira me fizesse sentir o consolo que só a arte proporciona.
Camilo Lucas
Eu tinha 17 anos e tinha acabado de comprar o single com Starting over/Kiss Kiss Kiss, primeiro fruto a ser divulgado do tão aguardado álbum de John Lennon após cinco anos de ostracismo voluntário. Pra mim, era mais aguardado do que a Segunda Vinda. Boatos diziam que John e Paul estavam se vendo. Isso para uma volta dos Beatles era um “pulinho”.
O novo LP, “Double Fantasy”, eu só tinha visto na imprensa, e a única coisa que sabia era que as faixas eram metade John, metade Yoko. Fazer o que... pra mim tava ótimo, afinal, John voltou!
De repente, eu estava sentado num consultório de dentista em Coronel Fabriciano, ao lado do meu amigo Marcelo “Baby”, lendo os jornais que falavam sobre a morte de John, acontecida na noite anterior, em Nova York. Foi ali que eu fiquei sabendo dos detalhes da tragédia, pois a notícia me havia sido dada ainda pela manhã em Caratinga, pelo meu amigo Chiquinho Beatle.
Eu e o Chiquinho éramos dois beatlemaníacos que passávamos a tarde toda na casa dele, com cadernos, pastas e revistas com letras das músicas dos Beatles e ex-beatles, cantando junto, tentando fazer as vocalizações, ele no violão e voz e eu só nos vocais, não que eu seja cantor (eu não sou) mas cantar por esporte qualquer um pode.
No dia 9 de dezembro, pela manhã, eu havia saído em direção à casa do Baby, pois tínhamos combinado de ir ao Vale do Aço fazer umas “compras”. Certas coisas demoravam pra chegar a Caratinga. Por exemplo, o single do John eu tinha comprado em BH, se não me engano uma semana antes. No caminho, encontro com o Chiquinho, e quando eu o avistei de longe, a primeira coisa que pensei foi em combinar um encontro pra fazer um som. Quando ele se aproximou eu vi que estava meio lívido. Antes de dizer “oi” ele me falou “o John morreu”. Como assim, “morreu”? Eu heim. Mas foi isso mesmo, eu tinha saído de casa sem ver TV e não tinha chegado perto de uma banca de jornais, ainda. Então, a notícia que já corria o mundo só chegou a mim naquele momento. Foi como se o tempo parasse. Parou tudo! Aliás, parou por um segundo porque depois começou a girar. Eu tive vertigem quando caí em mim e vi que era verdade.
Fui pra casa do Baby, fomos de ônibus pra Coronel Fabriciano e lá, sofremos uma tentativa de assalto, às 11 da manhã. Saímos correndo (antes empurramos o cara, ele estava com uma faca mas nós nos antecipamos) e corremos bastante, não sem ver o facínora sendo quase atropelado por um carro na tentativa de nos perseguir. Como ele ficou pra trás, nós entramos no primeiro prédio que vimos, entramos no elevador e apertamos o “11” (sei lá, pode ter sido o “8”). Era um prédio de escritórios e consultórios, e entramos num de dentista. Ficamos lá como se fôssemos clientes. Fazendo hora até o bandido sumir da área. E os jornais do dia estavam à disposição. Fiquei lendo tudo.
John havia sido morto por um lunático, desses made in USA. A motivação? Nula. Como nada do que aconteceu na vida de John foi comum, sua morte também não poderia ser. O cara pediu um autógrafo no disco (que eu nem tinha escutado ainda), depois se sentou no meio fio, ficou lendo O apanhador no campo de centeio para passar o tempo até a volta de John, quando pronunciou seu nome em vão antes de matá-lo com quatro tiros a queima-roupa (não contando o que ele errou).
Mark Chapmann entrou para a infâmia da história. Não só da arte, da música, mas da história da humanidade mesmo. Está preso até hoje – ainda bem que não foi no Brasil! - e talvez nunca mais saia de lá. Mas nada vai trazer John de volta.
Não preciso falar sobre o choque mundial que foi, sobre as pessoas cantando All you need is Love e Give peace a chance na porta do Dakota, ou de toda a comoção mundial, pois isso todo
mundo já leu e ouviu. Mas a minha comoção foi inédita – até então e desde então. Eu cresci ouvindo Beatles. Na verdade, eu nasci no mês em que From me to you estava nas paradas. Tenho lembranças dos Beatles em atividade, lembranças nítidas, lembro-me de quando eles acabaram, lembro-me dos meus tios ouvindo Revolver na radiola da sala (eu achava linda aquela capa desenhada, pois já sabia que um dia eu seria desenhista), o primeiro disco que eu comprei foi um compacto com Mind games/Meat city, do John, e quando juntei dinheiro para um LP, o primeiro que comprei foi o Sgt Peppers. Beatles é a trilha sonora da minha vida, e quando eu tinha 17, when I was just seventeen, acho que estava no auge desse sentimento. Foi quando John morreu.
Pra mim tinha morrido um tio querido, uma referência. Chorei de verdade. De repente, chegam às lojas não só o Double Fantasy, mas toda a discografia de John Lennon. Comprei o disco novo e também o Plastic Ono Band e o Imagine, que tenho até hoje. E fiquei ouvindo o dia inteiro durante meses.
E na primeira oportunidade, fui pra casa do meu amigo Chiquinho e ficamos cantando Beatles e John Lennon até a alma se aliviar e a percepção de que sua obra me acompanharia a vida inteira me fizesse sentir o consolo que só a arte proporciona.
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